Reflexões com um amigo Físico – Parte 1

Gosto dessa ideia da infinidade circular, uma unidade de contrários cujos elementos se movimentam passando de um extremo ao outro, de forma que a verdade não está no objeto estático, ou na sua fotografia, mas está na compreensão contraditória do seu próprio movimento, e nas determinações desse movimento. Gosto dessa compreensão do movimento, pois é a gênese do pensamento dialético. O exemplo que utilizo nos cursos de formação que ministro, é o do estudo do sapo. Quando numa escola o professor apresenta o sapo no laboratório, o que ele está tomando como matéria de estudo não é o sapo em sua totalidade, mas está estudando um sapo morto. Esse estudo é um passo fundamental para o entendimento do sapo, mas insuficiente para chegarmos a verdade do objeto. É preciso compreender o sapo vivo, o sapo no salto, o sapo coaxando, retirar dele as determinações que o movimentam e que o levam a aparecer de diversas formas, sempre escondendo sua verdade. De outra forma, são as relações que o sapo estabelece com seu meio e sua própria matéria viva em relação a esse meio, que o qualificam e o significam para nós, antes de tudo, como um ser que chamamos sapo.

A partir dessa compreensão da realidade através da lógica dialética, concebo também que o “bigbang” é apenas um momento no movimento infinito do universo. É a expressão singular de um movimento universal, assim como a galaxia é um particular no movimento iniciado pelo bigbang, e o sistema solar é um momento do movimento da galaxia, assim até a singularidade atômica que espantosamente nos revela os mesmos movimentos anteriores até mesmo nas menores partículas, como você mesmo destacou. O que espantosamente nos revela que a unidade de contrários é uma constante, e nada existe no universo que não esteja em movimento e dentro de uma relação. Justamente por isso, não é possível conceber o bigbang como um início do universo. O próprio raciocínio formal nos mostra que isso não passa de uma marcação arbitrária, que supre uma necessidade falsa de dizer onde começou o universo. Ora, qualquer criança em fase de “porquês” pode perguntar ao cientista afoito de onde veio o “bigbang” e deixá-lo constrangido tendo que recorrer ao campo inseguro da incerteza. Contudo, essa mesma criança não deixaria de perguntar para a lógica dialética qual seria então a origem do bigbang, ou até o limite de sua própria pergunta, qual seja, de onde veio o universo? E talvez a resposta, “ele sempre existiu”, seja para ela tão incompreensível no momento quanto seria para o pensamento formal. Mas é justamente essa a compreensão da infinitude, não só da existência do universo mas do próprio movimento da existência que consiga dar a ela a pedra principal para sair da linearidade que separa sem juntar. Isto é, o movimento sempre esteve em movimento, e o que aparece em um extremo pode virar para o outro, isto é, uma coisa pode virar o seu contrário, e essa é sua verdade.

Entretanto, diferente de você, não tenho uma compreensão mística do universo. Me coloco ao lado daqueles que negam a crença em um ‘Espírito do Mundo’ ou como você disse ‘um princípio inteligente e absoluto’ como quem nega um falso pressuposto. Sobre esse princípio, ou contra ele, afirmo o próprio humano como parâmetro de si mesmo, isso quer dizer, o humano como parâmetro da própria realidade, afinal a realidade que pronunciamos saí pela forma humana que somos, de nossas palavras, de nossas bocas, o que não nos permite passar para outro ser que não seja nós mesmos. Essa afirmação parece limitada, pois é de fato a constatação de um limite, ou seja, nós mesmos. Contudo, na compreensão sobre o universo e suas determinações essa afirmação pode ser melhor compreendida na extensão do conselho filosófico de Sócrates: “se queres conhecer os homens e os deuses, conhece-te a ti mesmo”. A unidade entre o Eu e o universo está na superação do universo enquanto objeto estático, aparentemente puro para a compreensão, mas, antes de tudo, é preciso elevar o objeto ao próprio estado de criador do Eu, isto é, olhar as relações entre o Eu e seu meio como determinantes de sua existência e concebê-lo também e principalmente como fruto desse meio. Essa contradição entre o Eu que é por si mesmo, e o Eu que é pelo Outro, não deve ser tomada como um erro, mas deve ser tomada como sua verdade, ou como o verdadeiro objeto. Isto quer dizer, é possível agora encontrar o objeto que era o universo objetivado de outra forma. Pois ele se revela como o próprio Eu determinado pelo universo em relação consigo mesmo, ou seja, o Eu que é objeto de si mesmo e pode agora se reconhecer numa totalidade que o faz e é feita por ele. Esse movimento de unidade completa entre o Eu e o Universo, nesse caso, o próprio conhecimento, é indiferente ao um “Espírito do Mundo”, pois a elevação do ser particular ao universal não significa que o encontramos no universal um ser, mas apenas que o ser particular se encontra num universal por ele determinado e que por mais que o determine também somente por ele pode ser alterado.

Absorvi essas ideias nas leituras filosóficas de Marx, Hegel, Lucáks, Sartre e Adorno. Filósofos que você gostaria de ler, principalmente Hegel, que concebe um “Espírito do Mundo” como uma ideia primordial, muito próximo do que você colocou, “um princípio inteligente e absoluto”. Em outro momento Hegel vai chamá-lo de “Espírito Absoluto”, justamente esse ser que está anterior a tudo e em tudo está, entretanto não se manifesta por si só mas apenas nas particularidades, pois é assim, como manifestação de um espírito absoluto que é o homem. O ser universal personificado, ou a expressão particular do ser universal. Bonito demais essa ideia, mas creio falsa como tentei demonstrar acima.

Fico contente que esteja ativo no mundo científico, que precisa de pessoas sérias e comprometidas como você.

No meu canto, estudo, filosofo e me organizo ao lado dos que estão dispostos a alterarem a ordem tão nefasta das coisas. Me emocionei esses dias com o aposentado grego, de 77 anos, que se suicidou em praça pública, pois era a única forma de manter sua dignidade, antes de começar a vasculhar os lixos por comida, como ele mesmo deixou escrito em carta. É sobre essas questões filosóficas e principalmente concretas da luta de classes por uma ordem mais humana do que o capital e seu movimento anti-humano que me debruço.